Fotos: Rogério Resende
segunda-feira, 31 de maio de 2010
Entrevista com o cineasta José Joffily no Almanaque Virtual
Do Almanaque Virtual, Por Leonardo Luiz Ferreira
Fotos de Álvaro Riveros
Fotos de Álvaro Riveros
O interesse pelo cinema de gênero, a partir de um episódio trágico, se faz mais uma vez presente na obra do realizador José Joffily: Olhos Azuis (2009) é um thriller que aborda temas polêmicos em uma jornada redentora. Ao intercalar projetos de ficção com documentários, Joffily soube construir uma carreira de propósitos bem definidos, nos quais cada novo filme se relaciona de alguma forma com os anteriores. O interesse permanece por personagens à margem ou que não recebem a atenção da maioria das pessoas e que estão sempre em busca de mudança. Na entrevista exclusiva, realizada quase um ano depois da consagração do longa no Festival de Paulínia, o diretor reflete sobre o projeto e revela o que lhe impulsionou para ser cineasta.
Almanaque Virtual - O que lhe moveu primeiramente a realizar cinema?
José Joffily: Falando assim rapidamente e sem pensar muito, eu diria que foi a vontade de ficar em grupo. Quando trabalhava como fotógrafo era tudo muito solitário: cobria as pautas, voltava e editava o material e colocava as legendas. Era um processo chato. A minha vida mudou quando encontrei pessoas que estavam interessadas no mesmo assunto e que tinham prazer de trabalhar com cinema. Era sedutora a ideia de realizar um filme e isso compartilhava com todos eles. Em um determinado momento se formou um grupo de realizadores que resultou na produtora Corisco Filmes, entre eles estavam Jorge Durán, Sérgio Rezende, Murilo Salles, Emiliano Ribeiro e Mariza Leão. Essa multiplicação de encontros foi importante para a minha formação como cineasta.
AV - O roteiro de Olhos Azuis participou de uma oficina dos laboratórios do Instituto Sundance, em 1999. Por que levou tanto tempo para realizar o filme?
José Joffily: A ideia original surgiu em 1998. Os filmes se ajustam à época, ao talão de cheques e as circunstâncias. Alguns projetos vêm à tona e outros submergem com o passar do tempo. E no caso de "Olhos Azuis", sempre mantive a vontade de realizá-lo, pois gostava muito da história e dos personagens. Na versão original do roteiro, em um dos primeiros tratamentos, o filme se passava em diversos países: mostraria flashbacks de todos os latinos detidos na migra em seus países de origem. Mas isso tornou a produção muito cara. A história do boliviano, que o policial Marshall conta para a moça em um bar, seria encenada. Ela se transforma em relato, pois gostava de sua força, além de demarcar bem o que é estar distante de seu país. O tempo de maturação do projeto trouxe prós e contras. Lamento não ter feito externas em Havana, por exemplo. Mas mantive a ideia de que os atores são oriundos dos países dos personagens. Uma história curiosa sobre a produção de "Olhos Azuis" é a de que o personagem principal seria interpretado pelo ator Robert Foster, que renasceu devido ao sucesso de "Jackie Brown" (1998), de Quentin Tarantino. Ele estava animado com o filme e completamente inteirado com o projeto. De repente, eu recebi um e-mail dele em que dizia que não poderia filmar naquele momento, pois estava comprometido com uma filmagem em Cingapura. Foi a personificação do horror: perdi o protagonista do filme com todo o plano de filmagem já traçado. Decidi partir para Nova York e pessoalmente resolver esse problema. Foi aí então que surgiu o David Rasche, um ator mais ligado a seriados e comédias. Isso foi um fator importante para sua escolha em que interpretaria um papel bem diferente. Ele desenvolveu uma camaradagem com o núcleo de personagens da imigração e se integrou rapidamente.
AV - O filme se estrutura a partir de dois eixos narrativos que se diferenciam em termos de escolhas estéticas: a granulação e o tom cinza e frio da sala de imigração; e o solar e arejado de Recife durante o road movie. Fale sobre a direção de fotografia e as diferenças entre locações.
José Joffily: Eu já trabalho com o fotógrafo Nonato Estrela há muitos anos. Gosto muito de descobrir a fotografia e que direções devo seguir. Fizemos uma pesquisa de campo para saber como filmar interiores e exteriores: se deveríamos usar tal lente ou o tripé, e coisas do tipo. Optei por filmar com duas câmeras na migra para não banalizar e não perder a força das cenas. Tudo era uma questão de tempo. Disse para a produção que filmaria mais rápido a migra e assim consegui mais uma equipe de filmagem. A música durante as sequências da imigração não faria sentido. Portanto, trabalhei a edição de som para configurar e dar credibilidade. Já no Nordeste, a música tinha um papel importante, mas mesmo assim sacrificamos bastante a trilha sonora.
AV - Olhos Azuis depende diretamente do trabalho de montagem para funcionar na tela. A tensão vai se construindo de maneira crescente. Quais foram as diretrizes da edição e o trabalho com o montador Pedro Bronz?
José Joffily: Tive muita preocupação em como fechar cada cena e como ela iria abrir na seguinte. Retiramos alguns trechos de cortes que estavam previamente marcados. Também trocamos alguns de ordem. Era importante manter o interesse do espectador na história e a montagem devia dar essa fluência. "Olhos Azuis" é o primeiro filme de ficção que o Pedro monta. Ele fez uma modificação significativa ao defender que o longa terminaria na beira do rio, com o fracionamento de cenas da abertura. Visualmente era muito mais atraente terminar dessa forma, com o personagem indo de encontro ao mar.
AV - O discurso da obra aborda alguns temas polêmicos, como o preconceito racial e o xenofobismo. Os personagens assumem, de certa forma, estereótipos sociais, como a argentina malandra, os hondurenhos como frágeis e falsos esportistas e o brasileiro pobre que empreende seu "american dream", entre outros. Essa construção é deliberada?
José Joffily: Nunca tivemos essa ideia. A intenção também nunca foi de mostrar os argentinos como malandros; o filme é uma coprodução com a Argentina. Em Paulínia, levantaram a questão sobre a sensualidade da cubana, mas ela é comportada e a argentina é muito mais voluptuosa. O filme, sem dúvida, ganha asas e você perde o domínio de todas as possíveis leituras. Queria, sobretudo, que fosse um longa ecumênico e que representasse os países latinos. Tiramos um personagem chileno, que na época era construído sob o signo do neo-liberalismo. E também sacamos um militar argentino que foi condenado e se matava na migra - essa história era baseada em um personagem real. Talvez tenha algo nesse sentido de refletir um pouco cada país e características, mas não foi a intenção.
AV - De um lado se tem o policial americano durão, ex-militar, apegado a moral e aos bons costumes. Ele chega até mesmo a ser chamado de John Wayne por uma colega de trabalho, mas também é identificado com traços da persona de Clint Eastwood, como seu personagem Dirty Harry e no recente "Gran Torino" (2008). E de outro a temática política, a causa e o efeito, que remete ao roteirista e escritor Guillermo Arriaga e ao diretor Alejandro Iñarritú em "Babel" (2006). Quais foram as principais referências para o filme?
José Joffily: Marshall é sincero, sem disfarces. Ele representa o americano médio. Defende o seu país e é um retrato explícito do povo americano que não quer estrangeiros em seu território. Durante esse episódio sobre as sanções ao Irã e as reuniões com o Brasil ninguém da imprensa lembrou de um episódio que reflete a política exterior objetiva dos Estados Unidos: o embaixador Bustani foi defenestrado do cargo porque conseguiu reduzir em um terço as substâncias químicas empregadas como armas de guerra. Isso atrapalhava o ataque a Bagdá. E isso é aplicado por eles em uma série de países. Com relação as referências, nós temos todos uma formação de milhares de filmes americanos. É um inventário de filmes e séries que estão em nosso imaginário e, com certeza, passou pela nossa cabeça tanto o John Wayne quanto o Eastwood. Passamos meses discutindo o roteiro e nos utilizamos de um infinito número de referências.
Olhos Azuis no "Pulei pela Janela, Beijos!"
Do blog "Pulei pela Janela, Beijos", por Taís Bravo.
A primeira coisa que deve ser dita sobre Olhos Azuis: é um filme destemido. Há uma Verdade que perpassa suas histórias e se apresenta ao longo de todo o filme sem nenhum vestígio de hesitação, forte e pungente.
A primeira coisa que deve ser dita sobre Olhos Azuis: é um filme destemido. Há uma Verdade que perpassa suas histórias e se apresenta ao longo de todo o filme sem nenhum vestígio de hesitação, forte e pungente.
A trama se desenvolve através de dois principais fragmentos, um se passa no departamento de imigração americana, outro no Nordeste brasileiro. À medida que a relação entre estes fragmentos torna-se mais clara, maior é a aflição que nos atinge, não queremos enxergar o final que se aproxima. No entanto, é inevitável, o clímax se instala, os fragmentos se encontram, porém o ritmo tenso que os conduz, não se satisfaz, persevera, somos abandonados em meio a ele. O filme acaba e não tem fim.
O grande mérito de Olhos Azuis é este, sua relevância que ultrapassa a sala de cinema. Pode-se falar sobre muitos aspectos incríveis do filme, as atuações brilhantes, o roteiro impecável, fotografia…É um trabalho primoroso. Mas o que realmente engrandece todas estas ações é a relevância desse cinema destemido.
A Verdade que para muitos parece ousadia expor, Olhos Azuis escancara com a honestidade de quem não suporta mais rebaixar-se a reivindicações comedidas.
Ter coragem não deveria ser um motivo de honra, mas em tempos de relativismo e cinismo, é muito mais do que isso.
Entrando em pormenores, Olhos Azuis é um filme com um viés político explícito, no qual os paradoxos do um mundo neo-liberal – em que as relações de poder se dão de forma extremamente injustas, impossibilitando, então, a existência de uma liberdade propriamente dita – são apresentados com suas reais amarguras.
O embate entre olhos negros e olhos azuis é resultado da história de homens condicionados à História. Não há condições naturais ou determinismos, tudo é construção histórica. Marshall (David Rasche), o olhos azuis, carrega em si a paranóia, o individualismo, a arrogância e um patriotismo tipicamente americanos, porém, o ser americano não se trata de uma condição natural, impassível de mudança, é uma condição histórica, logo, em contínuo processo. Bia (Cristina Lago), é outra personagem que representa uma condição típica, é a puta brasileira, mais do que brasileira, nordestina, marcada pelas intransigentes raízes do Sertão. Confesso que tal personagem era a mais problemática para mim, temia que tal estereótipo fosse apresentado superficialmente, porém Bia cresce belamente ao longo da trama, as cenas de sua volta ao Sertão apertam a garganta e dilaceram as feridas ainda não curadas.
O clímax de Olhos Azuis pode ser representado por uma imagem, a veia dilatada de Nonato (Irandhir Santos)*. A revolta deste personagem é perturbadora, porque é um grito de realidade em meio a um jogo de consentimentos, no qual, os subordinados aceitam as regras em nome de uma liberdade que nunca deveria ser requisitada. Neonato é um corpo que sofre. Ele treme, chora, sua veia dilata, a injustiça que sente vai além, ela está impregnada em suas raízes, no seu povo, na História. Ele vai até as últimas instâncias, no filme é herói, na vida real seria, provavelmente, um imprudente. Ser destemido em tempos de liberdades relativas é imprudência, falta de limite.
Porém, como já foi dito, Olhos Azuis vai além das terríveis conjunturas de nosso tempo. A tensão que pulsa através da trama é História e as injustiças atreladas a essa construção que definham as liberdades individuais. A História da ascensão capitalista da supremacia americana é a História da vida humana impedida, diminuída, controlada.
Voltamos, então, a relevância de Olhos Azuis. O que o torna importante é seu compromisso com os homens, com suas histórias individuais condicionadas e fadadas, em geral injustamente, pela História. Não há consolo após essas imagens. Há orgulho, de um filme nacional executado perfeitamente com um tema de extrema importância global, e a esperança de que pelo menos a arte seja capaz de expor o que a realidade de simulacros nos persuade a ignorar.
Olhos Azuis é o cinema como instrumento de choque, de imersão em outras experiências, para a construção de consciência de nossa própria história.
* Sobre a veia de Nonato e Olhos Azuis, o excelente texto de Rafael Zacca.
domingo, 30 de maio de 2010
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sábado, 29 de maio de 2010
DIRETOR DE ”OLHOS AZUIS” CONVERSA COM O PLANETA TELA.
Planeta Tela conversa com José Joffily.
Estreia nesta sexta-feira (28) o filme “Olhos Azuis”, grande vencedor do Festival de Paulínia do ano passado. O site Planeta Tela conversou com seu diretor, produtor e corroteirista, José Joffily.
Planeta Tela - "Olhos Azuis" é um filme forte que fala de preconceito, intolerância, racismo e redenção. De quem partiu a ideia de realizá-lo? Como nasceu o projeto?
JOFFILY - Certa vez eu hospedei em casa um amigo que viveu uma situação bizarra. Depois de longas semanas de conversas, foi ele que me inspirou a escrever o argumento do filme junto com o Jorge Durán. A experiência vivida pelo meu hóspede foi bastante semelhante à do personagem Nonato. Apenas o desfecho foi diferente.
Esse meu amigo já morava há muitos anos nos EUA e veio para o Brasil visitar a filha. Como estava em andamento um processo para concessão de green card, e ele viajou com autorização legal, e considerou que estaria tudo bem na sua volta. Passou um tempo no Brasil visitando a filha e, retornando, no aeroporto, para sua surpresa, encarou um Marshall pela frente. Como só tinha casa montada nos EUA, ele foi deportado, sem ter onde ficar. Foi aí que eu entrei.
Os múltiplos relatos de outros constrangimentos passados na migra ajudaram a compor o painel dos personagens. Claro que os depoimentos não ficaram quimicamente puros, a imaginação do que poderia ter sido também contribuiu para o resultado final. “Olhos Azuis” é um projeto de mais de 10 anos atrás. Como você sabe, produzir para cinema é assim, é grande a distância que separa a idéia de sua execução.
Planeta Tela - Pelo fato de boa parte do filme ser falada em inglês, com atores americanos, foi tentada alguma co-produção internacional?
JOFFILY - Tentei um pouquinho, mas não tinha cabeça fria para tanto. Dirigindo e produzindo, o tempo era pouco. Além das naturais atribulações da produção, o processo de seleção de atores em Nova York e na Argentina consumia um bocado de tempo.
Planeta Tela - Pelo mesmo fato, ele terá alguma estratégia diferenciada de distribuição para o mercado internacional?
JOFFILY - Estou negociando a distribuição no exterior.
Planeta Tela - Nem Suspense, nem Policial, nem Suspense Policial são gêneros tradicionais no cinema brasileiro, embora você tivesse flertado com eles em “A Maldição de Sampaku”. Você acha que o público brasileiro se surpreenderá com o fato de "Olhos Azuis" incursionar de forma tão vigorosa por estes gêneros?
JOFFILY - O filme tem uma abordagem política muito marcada. Incursionar por estes gêneros tornaria o filme mais atraente. E eu também gosto imensamente de filmar o gênero. O prazer de descobrir a posição da câmera, as cores, o contraste e os sons que constroem a imagem e o andamento de um thriller não tem preço. É um dos sabores de fazer um filme.
Gostaria que vissem o filme com o mesmo gosto.
Planeta Tela - Curiosidade: as cenas da sala de imigração foram feitas no Brasil ou nos EUA? Em que circunstâncias? É tudo estúdio?
JOFFILY - Nosso orçamento cobria apenas seis semanas de filmagem. Para conseguirmos cumprir o apertado plano contribuiu muito a decisão de se filmar em estúdio. Enquanto estávamos no nordeste, a equipe de arte construía no Rio de Janeiro o cenário da migra.
Depois de três semanas na estrada entramos para o estúdio: foi uma mistura na medida. Um contraste muito bom, sair do caldeirão do verão no sertão para o ar-condicionado do estúdio. Em locações, a pressa e o deslocamento constante, no estúdio, a calma e o conforto de ir todos os dias para o mesmo lugar.
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Adoro Cinema: entrevista com José Joffily, diretor de Olhos Azuis
José Joffily é um dos diretores mais atuantes do cinema nacional na última década. Agora ele retorna ao circuito com seu novo trabalho, o drama Olhos Azuis.
O editor do Adoro Cinema Francisco Russo encontrou o diretor e bateu um papo sobre o filme. Confira logo abaixo.
ADORO CINEMA: Este é seu segundo filme relacionado com os Estados Unidos, o anterior foi Dois Perdidos Numa Noite Suja. Como você vê a diferença do país como pano de fundo nestas duas histórias?
JOSÉ JOFFILY: As histórias são muito diferentes. Um dia fiquei pensando se o Tonho não seria uma espécie de Nonato, a biografia dos dois poderia ser parecida. Mas de fato é curioso. Eu tinha um outro projeto, que naufragou, "Meu Nome Não é Joe", que era o personagem do imigrante. Não sei porque esta fixação com o imigrante. Eu sou imigrante, sou paraibano, mas é imigrante classe média e interno. Fato é que trata-se de uma questão muito contemporânea, o desejo de se movimentar para viver melhor. Acho que este sonho é legítimo, forte, intenso. Paradoxalmente em um país onde se fala que tudo é planetário as fronteiras se fecham. Há uma contradição maluca. O planeta foi esquadrinhado, com pobres para cá, ricos para lá. Você vê, acho que boa parte dos europeus gostaria que a África afundasse, para não chatear mais. O Marshall tem um discurso muito franco em relação a isto. Os Estados Unidos têm muito esta característica, é um povo muito assertivo, ele fala de fato o que pensa. O Marshall, nesta sinceridade desconcertante que ele diz e movido pelas condições físicas, é assim.
A gente gravou uma versão que contava muito da biografia dele. A gente foi subtraindo estas informações, mas havia uma biografia. Ele era um homem sozinho, não tinha se casado, era meio que o protetor do Bob. Mas o personagem sempre teve esta característica, de representar o que é a classe média americana. A grande maioria silenciosa que deixou o Obama ser eleito e, na próxima eleição, estará maciçamente para impedir que o Obama se reeleja. O Marshall representa isso.
AC: O que me fez lembrar de Dois Perdidos Numa Noite Suja foi que ele tem uma cena em que aparecem as Torres Gêmeas. Inclusive o filme foi lançado pouco depois do atentado. Isto foi um divisor de águas na questão de como tratar o imigrante nos Estados Unidos.
José: Foi. A gente filmou primeiro no Brasil, os interiores. Depois montou o filme, mas deixamos pontas pretas com o que acontecia nos exteriores de Nova York. Lembro que fomos filmar o verão, em agosto, e quando saímos de lá, poucos dias depois, aconteceu a tragédia das torres gêmeas. Lembro que na hora em que vi aquela tragédia egoistamente pensei "como é que vamos ter continuidade para o filme?" Cabeça de cineasta é muito maluca. Mas na verdade não havia problema algum, porque com as torres era o passado do Tonho e quando as torres caem é o presente. Aí voltamos para filmar no inverno. O clima já não era o mesmo nos Estados Unidos, claro. Já tinham passado cinco meses, mas a cidade ainda tinha um climão provocado pela tragédia.
AC: A questão da imigração existia naquela época também, mas de lá para cá piorou muito e ficou muito mais rígido.
José: Ficou mais dura, você viajar hoje de avião virou um inferno. É preciso ter uma paciência monumental, viajar é muito complicado. E você se sente meio intruso, com aquela fila nos aeroportos. Eles reservam uma fila acelerada para os europeus e uns guichês para avaliação mais detalhada. Como o Marshall diz, os ingleses e franceses não querem entrar aqui no nosso país para conseguir empregos.
AC: Foi desta observação que nasceu a ideia de Olhos Azuis?
José: Não, a ideia do roteiro nasceu de um amigo que ficou lá em casa. Em 1998 ele foi deportado. Morava nos Estados Unidos, estava com o green card dele vigente e encontrou um Marshall pela frente. Aí foi deportado, veio para cá e não tinha para onde ir. Ele ficou hospedado na minha casa por três meses. Uma situação bizarra, porque ele tinha casa mas não podia ir para lá, pois era em Nova York. Neste período ele planejava o retorno e me contava os episódios de imigração, de como tinha acontecido. A origem do argumento foi esta.
AC: Como foi a seleção do elenco estrangeiro?
José: Tínhamos um coprodutor argentino, que fez a seleção do elenco por lá. Enviou uns DVDs para a gente, avaliamos aqui. Nos Estados Unidos contratei um agente para fazer a seleção e nos enviar DVDs com sugestões para o Bob, a Sandra e o Marshall. Depois fui lá para conversar com uns 10 atores. O gerenciamento desta questão é meio complicado, de trazer o ator. Tudo é uma demanda especial. Dá um pouco de trabalho, mas eu e a Heloísa Rezende tínhamos a certeza de que ter um elenco pertencente aos países dos personagens conferiria ao filme um sabor especial. Valeu a pena o esforço. Não foi tão complicado, mas foi demorado. Tinha que ser um bom ator para ser o protagonista. Uma estrelona não tínhamos condições de contratar, então tinha que passar por um processo de seleção objetivando encontrar um bom ator. O Bob e a Sandra eram importantes, claro, mas não tinham a importância de um protagonista. Então dedicamos mais atenção a ele.
AC: O Irandhir Santos comentou que teve dificuldade com a língua, que você deu a ele um tempo para que aprendesse o inglês de rua. Teve mais algum caso deste tipo no elenco?
José: A Branca Messina morou muito tempo na Espanha, mas eu queria que ela tivesse um sotaque cubano. Coloquei um cubano ao lado dela, uns cinco meses, para fazer isso. O Irandhir pegou rápido. A Cristina Lago também não tinha muita desenvoltura no inglês. É difícil definir o quão bem um personagem deve falar inglês, como ele deveria piorar ou melhorar seu inglês. Ao mesmo tempo se entender com o elenco, no set de filmagens, e fazer improvisos. A gente fez esta opção, mas é difícil encontrar o tom.
AC: O filme será lançado com 17 cópias. Qual é a sua expectativa em relação a público?
José: Minha expectativa é zero. É um mercado muito afunilado e muito concentrado. Não me atreveria a dizer um número de espectadores que assistirão ao filme, teria que ter um conhecimento enorme do mercado. Mas certamente não há milagre. Para fazer um milhão de espectadores você tem que gastar um milhão de reais, ou seja, para cada espectador você gasta um real. Com sorte. Você pode não fazer e gastar um milhão, mas para fazer precisa gastar um milhão. Nâo existe algo que contrarie este pensamento.
AC: Você tem vários filmes que foram premiados, exibidos em festivais, mas não teve um grande sucesso. Como é para você, como cineasta, esta questão?
José: Lido bem, porque quero fazer os filmes que me interessam. Farei filmes melhores se eles forem com os temas que me interessam e piores se não me interessam. Eventualmente poderia até fazer, tenho artesania suficiente para fazer. Mas não me interessa. Então tenho também que considerar que já que resolvi fazer estes filmes o resultado deles certamente será diferente de uma comédia, que tenha uma aproximação maior com o público. Se bem que tenho pensado muito em fazer um outro tipo de filme. Às vezes acho que os filmes que faço são meio duros. O primeiro filme de ficção que fiz foi um curtametragem, uma comédia chamada Alô Teteia. Tinha 10 minutos, de 1978. Comédia rasgada, com a Louise Cardoso, o Hugo Carvana, Paulão e Anselmo Vasconcelos.
AC: Seu próximo projeto então deve ser uma comédia mesmo ou tem algo mais em vista?
José: Não, será uma comédia rasgada. Gostaria de fazer.
LEIA O POST ORIGINAL AQUI.
Crítica: Olhos Azuis por Celso Sabadin
Suspense não é exatamente um gênero cinematográfico tradional no cinema brasileiro. E por aqui, quando se fala em Polícia, logo o tema é associado a favelas ou cárceres. Assim, é mais do que bem-vinda a estreia do premiado “Olhos Azuis”, produção brasileira que mescla elementos de suspense, drama e policial sem cair na facilidade dos desgastados clichês que permeiam estes três gêneros.
O bom roteiro assinado por Melanie Dimantas e Paulo Halm enfoca o protagonista Marshall (vivido pelo norte-americano David Rasche) em três tempos bem diferentes na sua vida: (1) em seu último dia como policial de imigração de um aeroporto dos EUA, antes de se aposentar; (2) preso numa penitenciária e (3) embriagado vagando pelas praias brasileiras. Os primeiros minutos do filme não sinalizam em qual ordem cronológica poderiam ter acontecido estes três momentos. A narrativa é entrecortada, embaralha os tempos, atraindo desta forma rapidamente a atenção e a curiosidade da plateia, que é convidada a montar o seu quebra-cabeças dramatúrgico.
Aos poucos, novos personagens vão se agregando, e rapidamente a situação ambientada na terrível sala de imigração do aeroporto - um verdadeiro purgatório onde se decide quem vai para o Céu ou para o Inferno - vai ganhando mais força e se agigantando dentro do filme. Num ambiente claustrofóbico semelhante ao obtido por Giuseppe Tornatore em “Uma Simples Formalidade” (1994), o diretor José Joffily (o mesmo de “Quem Matou Pixote” e “Dois Perdidos numa Noite Suja”) cria com muita eficiência um clima de forte tensão, onde gradativamente se destilam os mais arraigados sentimentos de ódio, culpa e preconceito.
Apenas uma frágil divisória de vidro, com persianas mais frágeis ainda, separa a força policial norte-americana dos “cucarachas” ansiosos por entrar na tão decantada América. É um tênue “muro de Berlim” de vidro e compensado que simboliza um imenso fosso cultural e social. Ao lado de Rasche, os atores Frank Grillo (no papel de Bob), Erika Gimpel (Sandra) e principalmente Irandhir Santos (Nonato) brilham como coadjuvantes de primeira linha.
No outro tempo fílmico, Marshall aparece despido de sua carapuça policialesca, decadente e carcomido pelos caminhos do “inferno” para onde desceu: as belas praias do nordeste brasileiro, através das quais é ciceroneado por Bia (Cristina Lago), o sempre enigmático personagem da prostituta de bom coração.
Desencontradas no tempo e no espaço, as linhas narrativas se encaminham com competência para a solução final que - se não é exatamente surpreendente - tem o mérito de carregar consigo uma vigorosa discussão sobre as diferenças históricas e aparentemente irreconciliáveis que separam as civilizações dominantes das dominadas.
Um belo trabalho de Joffily, forte e corajoso, que foi o grande vencedor do II Festival Paulínia de Cinema com seis prêmios, incluindo o principal, de Melhor Filme.
sexta-feira, 28 de maio de 2010
Uma pequena entrevista com José Joffily
Do blog: Aventuras de uma Gringa, por Rachel Glickhouse.
Como vocês já devem saber, o filme Olhos Azuis estreia hoje no Brasil. A longa trata da imigração, das relações entre a América Latina e os EUA, e dos relacionamentos. O ator americano David Rasche faz o papel do oficial cruel no aeroporto JFK, e os atores brasileiros Irandhir Santos e Cristina Lagos são o protagonista e a heroina, respectivamente. O filme é muito interessante e vale a pena ver. Para vocês que moram aqui nos EUA, tenho boas notícias: acabei de saber que o filme vai estreiar em Nova York no Festival Inffinito de Cinema em junho.
Esta semana, fiz uma pequena entrevista com o diretor, José Joffily, sobre sua experiência com o filme e para tirar umas dúvidas minhas. Se vocês tiveram mais perguntas para ele depois de ver o filme, deixem um comentário e posso ver se ele ou a assessora dele pode responder.
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Entrevista com José Joffily
Ao final, que aconteceu com seu amigo (que morava nos EUA)? Ele ajudou com o filme?
Ele está vivo e feliz. Depois de deportado, conseguiu voltar. Adora viver na América. Ele não viu.
Qual é a sua cena preferida no filme, e por que?
Gosto muito do relato do Marshall quando a ficha cai e subitamente entende o boliviano de quem tinha desconfiado. Talvez porque seja um cena que tenha caído por questões de produção, mas gostavamos tanto dela que, como não podiamos filmar, contamos...Gosto também da dança que vem em seguida, pelo que ela promete que possa mudar na dupla.
O que você aprendeu durante sua experiência fazendo o filme?
Mais uma vez entendi que é apenas um filme.
Você pensa em fazer mais filmes "internacionais" com um elenco e um tema sobre pessoas de vários países?
Não estou me programando para este modelo. Todo filme é um protótipo, o cinema se reinventa a cada filme.
Você já teve uma experiência constrangedora com em um aeroporto nos EUA ou na Europa?
Estou meio velho, os senhores oficiais não são instruídos a desconfiarem dos anciões.
Estou meio velho, os senhores oficiais não são instruídos a desconfiarem dos anciões.
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José Joffily,
Rachel Glickhouse
Jornal do Brasil, Caderno B, 28 de maio de 2010.
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Sobre trauma e humilhação
Laboratório Pop, por Daniel Passi, maio 2010.
Olhos azuis conta a história de Marshall (David Rasche), chefe do departamento de imigração americano, que no último dia antes da aposentadoria resolve se divertir à sua maneira, detendo um grupo de latino-americanos e expondo-os a situações humilhantes. Alcoólatra, com seus atos Marshall faz a noite tomar um rumo inesperado. Anos depois, usando como referência um vídeo dentro de uma câmera portátil, ele sai à procura de uma pequena menina por Pernambuco, contando com a ajuda da prostituta Bia. Este é um filme sobre palavras. Aqui elas agem como bombas e parecem ter o mesmo peso dos galopantes tambores de maracatu que abrem os letreiros iniciais.
Como uma grande lavação de roupa suja sem restrições morais, Olhos azuis nos mostra o ódio e o rancor ocultos de uma nação traumatizada pós 11 de setembro, representada pela figura de Marshall. Dirigido por José Joffily (Dois perdidos numa noite suja), ganhador do Festival de Paulínia de Cinema 2009, trata-se também de um filme sobre contrastes. Dicotomizam rico e pobre; claro e escuro; espaços claustrofóbicos e abertos. Não há hesitação em jogar o espectador de um lado para o outro, criando com essa agilidade uma intensa carga dramática.
Duas histórias acontecem paralelamente. Uma, em flashback, se passa inteiramente dentro do sufocante espaço do departamento de imigração de um grande aeroporto americano. Com uma iluminação fria e sons de vertigem ao fundo, a realidade é exposta de maneira crua. Para tal, Joffily lança mão de um tom documental, alcançando, porém, um nível de veracidade maior do que qualquer documentário conseguiria atingir. Talvez este seja o aspecto mais perturbador da obra — isto pode estar acontecendo neste momento, em qualquer aeroporto americano, e não há nada que possamos fazer.
Todos os personagens presos neste limbo são uma síntese, uma unidade representando um drama coletivo. Embora postos no mesmo saco latino pelos oficiais, fica clara cada particularidade. Temos o mestiço brasileiro que, saído de uma pequena cidade do interior, tenta a vida em outro país (impossível não vir à cabeça a imagem de Jean Charles); a dançarina cubana morena que mesmo conseguindo um visto cultural ainda assim é importunada por conta de Fidel; a equipe esportiva com traços andinos.
O casal de poetas argentinos é a inteligente escolha que o filme faz de não vitimizar ninguém: embora estejam saindo de Buenos Aires por não conseguirem grande aceitação de seus trabalhos, financiam sua ida traficando cocaína para os "viciados americanos", escondendo a carga dentro de seus livros (detalhe para o hilário título: Poesias y algo más).
Na situação de fragilidade em que todos se encontram, os viajantes são submetidos por um Marshall cada vez mais alterado pela garrafa de Jack Daniels que consome desde o começo do expediente e sua equipe (uma negra e um descendente de mexicanos) a tormentos desnecessários. Em especial o brasileiro Nonato (interpretado com vigor por Irandhir Santos em cartaz com Quincas Berro D’água e como a voz do protagonista itinerante de Viajo porque preciso, volto porque te amo). Na escalada de acontecimentos que se seguem, o que vemos é a reação natural de qualquer ser humano exposto a abusos físicos e psicológicos, seja ele latino, americano ou árabe — a razão é deixada de lado, torna-se então uma bomba relógio ambulante.
Corta para os grandes espaços abertos de Petrolina. Da excessiva organização burocrática do aeroporto somos jogados para Recife durante o carnaval. Da iluminação fria e artificial, para a brutal luminosidade do sertão pernambucano. Agora com todo o lirismo de um road movie, vemos Marshall, doente e alcoólatra, buscar anos depois sua redenção, como em todo filme do gênero que se preze. Para isto conta com a ajuda de Beatriz (Cristina Lago), perfeitamente a imagem estadunidense de um país latino-americano — uma prostituta com um vocabulário importado do lixo cultural estrangeiro, abundância de shits e fucks. No emocionante desfecho da história, mais uma vez a força das palavras é celebrada, mesmo que aqui sejam as que não são ditas.
Embora todos os atores estejam no tom, é David Rasche quem mostra sem dúvida uma das melhores atuações de sua carreira. Pouco conhecido do público brasileiro, foi definitivamente uma escolha acertada. Destaque também para Frank Grillo que interpreta Bob, o outro oficial de imigração. Grillo e Rashe, ao pesquisarem para o papel em aeroportos americanos, alcançaram um realismo embasbacante.
Simbólico, Olhos azuis é um dedo na ferida ainda bastante aberta do preconceito que o fará ficar sentado na poltrona depois que aparecerem os letreiros finais. Um dos poucos filmes atuais que faz o que uma boa obra de arte tem de melhor. Isto é, ser um fomentador de discussões. Olhos azuis é um filme obrigatório.
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quinta-feira, 27 de maio de 2010
América de veias abertas
Do blog de Cecília Matos, maio 2010.
"Olhos azuis" é um desses filmes que surpreende justamente por não esconder o final. Da mesma forma que todos sabem como termina a história de Jesus e, no entanto, qualquer nova versão rende bilheteria, aqui também a graça está no passar dos minutos.
O filme nos confronta com verdades e mentiras dolorosas sobre a América que não descobrimos. Nossa ferida de subdesenvolvimento se abre quando ouvimos o inglês com mel dos nordestinos Nonato e Beatriz. Nos enchemos de orgulho por el corazon latinoamericano , mas nos envergonhamos da nossa ausência de nós mesmos.
Somos um continente partido. Não queremos ser culpados, odiamos quem nos rouba tudo o que o nosso suor construiu. Sonhamos com praias tropicais e neve de verdade. Sofremos com enchentes aqui e lá. Não falamos a mesma língua, mas compartilhamos o arroz e feijão de cada dia. O Mc Donald's de cada dia. Democratizamos a solidão e temos o corpo cheio de estrelas. Nessa terra olhos azuis não movem moinhos.
"Olhos Azuis" aborda drama de um brasileiro nos EUA
No UOL Cinema - Últimas Notícias: Reuters, por Alysson Oliveira do CineWeb, 27 de maio de 2010.
LEIA O POST ORIGINAL AQUI.
Bia (Cristina Lago) vai ao encontro de Marshall (David Rasche) nas ruas de Pernambuco, em cena de "Olhos Azuis"
SÃO PAULO - Vencedor do principal prêmio do Festival de Paulínia do ano passado, "Olhos Azuis", dirigido por José Joffily, traz Irandhir Santos ("Quincas Berro D'Água") no papel de Nonato, um brasileiro que construiu sua vida nos Estados Unidos e é impedido de entrar novamente no país depois de passar férias em sua terra natal. O filme, roteirizado por Paulo Halm e Melanie Dimantas, estreia em circuito nacional.
Há duas linhas narrativas em "Olhos Azuis". A primeira é um embate entre Nonato e um oficial da imigração norte-americana, Marshall (David Rasche, de "Queime depois de ler"), numa pequena sala num aeroporto. O brasileiro acaba de chegar de viagem e é barrado - num processo aleatório, no qual um grupo de americanos escolhe meia dúzia de passaportes e resolve questionar essas pessoas que tentam entrar no país.
Marshall trabalha com dois colegas, Sandra (Erica Gimpel) e Bob (Frank Grillo), e está em seu último dia de atividade. Ele foi forçado a se aposentar e deverá passar o cargo. Ele não está em seu estado normal, bebeu demais e está disposto a comprar briga com qualquer pessoa.
Na outra linha, o mesmo Marshall já não é mais o mesmo sujeito bem arrumado e barbeado que barrava as pessoas que queriam entrar nos EUA. Mais velho e desleixado com a aparência, ele está no Brasil, em busca de uma garotinha cuja imagem ele vê numa câmera.
Aos poucos, a história de "Olhos Azuis" se abre e descobrimos que o americano está no país em busca da filha de Nonato e crê ter uma dívida com ela. Não é difícil de imaginar, em poucos minutos de filme, que o conflito entre Nonato e Marshall não acabou bem. No entanto, as duas tramas vão se entrecortando ao longo de quase duas horas de filme.
Joffily é um diretor com experiência em ficção ("Dois Perdidos numa noite suja", "Achados e Perdidos") e documentários ("Vocação do Poder"). Neste novo filme, imprime tensão nas duas narrativas, construídas em cima da dúvida de como os personagens chegaram no ponto em que estão.
Tecnicamente, o filme também deixa bem clara cada história, com fotografia diferente para cada uma. Nos Estados Unidos, todas as cenas são na sala do aeroporto, com planos mais fechados e iluminação artificial. No nordeste do Brasil, as cenas são bem iluminadas, quase sempre com luz natural, e os planos valorizam a paisagem local.
Apesar de sua boa intenção, em alguns momentos, "Olhos Azuis" esbarra em inconsistências. No Brasil, Marshall recebe ajuda de uma garota de programa (Cristina Lago, de "Maré - Nossa história de amor"). Ela é mais um catalisador na narrativa do que um personagem. Com domínio bastante bom do inglês, ela serve de ponte para o americano em sua investigação. No entanto, ela nunca questiona ou estranha essa busca. O mesmo acontece com as pessoas que cruzam os caminhos da dupla, que sempre fornecem informações sem a menor cautela.
Em meio a essas fragilidades, ganha força então o trabalho do ator pernambucano Irandhir Santos - em seu terceiro filme a chegar às telas no mês de maio. Além de "Olhos Azuis" e "Quincas Berro D'Água", ele é o narrador de "Viajo porque preciso, volto porque te amo". Aqui, ele é a alma desesperada do filme, um personagem preso no limbo de um aeroporto, sem pertencer nem ao Brasil nem aos Estados Unidos. A imagem de desespero de Nonato é o que fica gravado do filme.
* As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb
LEIA O POST ORIGINAL AQUI.
quarta-feira, 26 de maio de 2010
Pré-estreia do filme Olhos Azuis no Rio de Janeiro
Quem também marcou presença na noite de ontem (25/05), prestigiando a pré-estreia do filme Olhos Azuis, de José Joffily, em Botafogo, Zona Sul do Rio de Janeiro, foram Deborah Secco e Dudu Azevedo.
Deborah Secco na sessão especial do filme Olhos Azuis
Deborah Secco e Dudu Azevedo na pré-estreia de Olhos Azuis
Fotos: Ag. News
Veja mais na Revista Quem, Te Contei e no Ego/notícias.
Noite de pré-estreia no Rio de Janeiro
Ontem foi a nossa pré-estreia carioca para convidados. Tivemos o prazer de poder contar com a presença de quase todo o elenco. Agora, a menos de 48 horas para estreia, só nos resta mesmo confiar no talento da nossa equipe e nos entregar para a maravilha deste delicioso momento. O sentimento é o de dever cumprido, em um misto de orgulho e satisfação. Parabéns a toda equipe e ao maravilhoso elenco que topou contar esta história!
Irandhir Santos, Cristina Lago, Pablo Uranga, José Joffily, Valéria Lorca e Branca Messina
Valeria Lorca,José Joffily, Cristina Lago e Branca Messina
Fotos: Ag. News
O filme agora é de vocês, aproveitem! A partir desta sexta-feira (28) nos cinemas!
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Cinéfila Satisfeita
do Blog: Nem Froid Explica, por Hellomotta.
Até quando o jogo vale o que custa?
Você é um cara feliz. Metido a turrão. Trabalha no sonho de consumo de 50% da população mundial: É policial americano. Sua nacionalidade irlando-inglesa é motivo de inveja. Você mora no país dos sonhos, na cidade dos sonhos e tem até o emprego dos sonhos. Não, não é um policial comum! É o chefe do departamente de imigração dos EUA! Aposentadoria a caminho. Tudo seria perfeito, exceto pelo fato da solidão que esconde. Bebe por algum motivo que todos desconhecem.
Um dia você decide brincar. Todos entram no jogo, não necessariamente por vontade. Schadenfreude. O prazer que se sente com a dor e a humilhação ao outro é indescritível. Você é o dono do jogo e isso faz bem ao ego. A vida de todos que estão na sala de vidro depende de uma decisão: pode ser questão de política ou, simplesmente, do seu bom humor. O jogo começa, você dá as cartas. O problema é: após a primeira rodada, nem tudo depende só de você.
Olhos Azuis é assim. Você aprende que quando você perde o controle da sua vida, muitas outras podem estar em jogo. Hipnotizante do 5º primeiro minuto até horas após o final.
Uau! Foi com esse suspiro que deixei o cinema. U-a-u!
Não conhecia o trabalho do José Joffily. Foi paixão a primeira vista.
Só pra constar: saí de casa pra ver "Viajo porque preciso, volto porque te amo!". Literalmente, a bonequinha aqui dormiu várias vezes durante o filme. Não recomendo!
Mas como eu sou a cinéfila sortuda, caí de paraquedas nessa pré-estreia, que não só salvou a noite, como deu uma super lição de moral pré-aniversário.
A quem interessar:
Olhos Azuis (Brasil, 2010)
Estreia: 28 de maio.
Duração: 111 min
Direção: José Joffily
Com: David Rasche, Frank Grillo, Erica Gimpel, Cristina Lago e Irandhir Santo.
Com: David Rasche, Frank Grillo, Erica Gimpel, Cristina Lago e Irandhir Santo.
É como eu sempre digo: em jogo de ganha-ganha, todo mundo sai perdendo!
Uau!
h'[m]
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Outra leitura
do Blog: Imagem em Movimento, por Christian Jafas, maio 2010.
Preconceito sm. 1. Ideia preconcebida. 2. Suspeita, intolerância, aversão a outras raças, credos, religiões, etc.
A definição dada pelo Dicionário Aurélio parece simplista ao primeiro olhar, mas as poucas palavras utilizadas são precisas, diretas e garantem um significado inequívoco para o termo. Olhos Azuis, oitavo longa-metragem de José Joffily, também possui essa rara qualidade e consegue transpor para a película, com exatidão, os sentimentos de quem um dia aprendeu o sentido do vocábulo sem ter que procurar no dicionário.
O ponto de partida para a análise que Joffily propõe parece ter saído de um filme de ação norte-americano, mas tiros e explosões são desnecessários aqui. Marshall (David Rasche), chefe do Departamento de Imigração do Aeroporto JFK, em Nova Iorque, celebra o último dia de trabalho, antes da aposentadoria forçada, incomodando um grupo de latino-americanos que ainda sonham com a terra prometida pelo Tio Sam. O incômodo que os latinos sofrem na sala de espera do aeroporto transcende a tela e recaí sobre os expectadores que, impassíveis como os personagens, compartilham das humilhações e agressões.
Para atingir esse estágio de interação com a platéia, José Joffily utiliza metáforas audiovisuais, um elenco forte e o recurso da montagem paralela. Vemos a trama ser revelada aos poucos, lentamente, passo a passo, enquanto nos aprofundamos na construção dos personagens. A montagem paralela nos leva a antever os acontecimentos e a julgar antes da hora, do mesmo modo que os oficiais da imigração fazem quando precisam decidir quem entra nos Estates e quem pega o avião de volta para seu país de origem.
A escolha por esse estilo de edição se mostra mais do que acertada, já que também permite aos atores coadjuvantes brilharem nos seus momentos em cena. Cada microuniverso que a narrativa constrói possui tensão e conflito na mesma escala da trama principal e esses elementos somados contribuem para a sensação de incômodo que atravessa a projeção do início ao fim.
O roteiro é dividido em camadas que apresentam duas realidades distintas, mas que irão percorrer caminhos paralelos até a inevitável fusão. A relação entre Marshall e o brasileiro Nonato, interpretado magistralmente por Irandhir Santos, é o fio condutor da história. Quando Marshall deixa de ser “O Chefe” para ser “O Gringo” a perspectiva muda e a relação dele com a prostituta Bia (Cristina Lago) estabelece uma segunda realidade no filme. A alternância entre essas duas realidades ora imprime um ritmo de road movie, ora de suspense impedindo que o expectador se acomode e evitando que o desfecho seja facilmente revelado.
Olhos Azuis foi o grande vencedor do Festival de Paulínia 2009 conquistando o troféu Menina de Ouro nas categorias de Melhor Filme, Melhor Roteiro, Melhor Montagem, Melhor Atriz (Cristina Lago), Melhor Ator Coadjuvante (Irandhir Santos) e Melhor Som. O desafio agora é conseguir ultrapassar as barreiras impostas por outra forma de preconceito.
O filme será lançado nesta sexta, 28 de maio, e dividirá as salas de cinema com os blockbusters do verão norte-americano. A invasão dos ‘olhos azuis’ em terras tupiniquins começou com Homem de Ferro 2, Robin Hood, Fúria de Titãs e na próxima semana teremos a estréia de Príncipe da Pérsia – adaptação do famoso joguinho da década de 80. Não seria o caso de utilizarmos o mesmo discurso de qualquer fiscal da alfândega norte-americana: “Vocês entram aqui, pegam nossos empregos, ganham dinheiro, mandam para seus países e nós, como ficamos?”
Sem apelar para o nacionalismo exacerbado podemos dizer que nós temos escolhas e uma delas é ver o ótimo trabalho de José Joffily na tela grande. Não deixe para ver em DVD. A elaborada fotografia de Nonato Estrela e a inquietante trilha sonora de Jaques Morelenbaum esperam por você.
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