segunda-feira, 31 de maio de 2010

Olhos Azuis no "Pulei pela Janela, Beijos!"

Do blog "Pulei pela Janela, Beijos", por Taís Bravo.

A primeira coisa que deve ser dita sobre Olhos Azuis: é um filme destemido. Há uma Verdade que perpassa suas histórias e se apresenta ao longo de todo o filme sem nenhum vestígio de hesitação, forte e pungente.



A trama se desenvolve através de dois principais fragmentos, um se passa no departamento de imigração americana, outro no Nordeste brasileiro. À medida que a relação entre estes fragmentos torna-se mais clara, maior é a aflição que nos atinge, não queremos enxergar o final que se aproxima. No entanto, é inevitável, o clímax se instala, os fragmentos se encontram, porém o ritmo tenso que os conduz, não se satisfaz, persevera, somos abandonados em meio a ele. O filme acaba e não tem fim.


O grande mérito de Olhos Azuis é este, sua relevância que ultrapassa a sala de cinema. Pode-se falar sobre muitos aspectos incríveis do filme, as atuações brilhantes, o roteiro impecável, fotografia…É um trabalho primoroso. Mas o que realmente engrandece todas estas ações é a relevância desse cinema destemido.

A Verdade que para muitos parece ousadia expor, Olhos Azuis escancara com a honestidade de quem não suporta mais rebaixar-se a reivindicações comedidas.


Ter coragem não deveria ser um motivo de honra, mas em tempos de relativismo e cinismo, é muito mais do que isso.


Entrando em pormenores, Olhos Azuis é um filme com um viés político explícito, no qual os paradoxos do um mundo neo-liberal – em que as relações de poder se dão de forma extremamente injustas, impossibilitando, então, a existência de uma liberdade propriamente dita – são apresentados com suas reais amarguras.


O embate entre olhos negros e olhos azuis é resultado da história de homens condicionados à História. Não há condições naturais ou determinismos, tudo é construção histórica. Marshall (David Rasche), o olhos azuis, carrega em si a paranóia, o individualismo, a arrogância e um patriotismo tipicamente americanos, porém, o ser americano não se trata de uma condição natural, impassível de mudança, é uma condição histórica, logo, em contínuo processo. Bia (Cristina Lago), é outra personagem que representa uma condição típica, é a puta brasileira, mais do que brasileira, nordestina, marcada pelas intransigentes raízes do Sertão. Confesso que tal personagem era a mais problemática para mim, temia que tal estereótipo fosse apresentado superficialmente, porém Bia cresce belamente ao longo da trama, as cenas de sua volta ao Sertão apertam a garganta e dilaceram as feridas ainda não curadas.


O clímax de Olhos Azuis pode ser representado por uma imagem, a veia dilatada de Nonato (Irandhir Santos)*. A revolta deste personagem é perturbadora, porque é um grito de realidade em meio a um jogo de consentimentos, no qual, os subordinados aceitam as regras em nome de uma liberdade que nunca deveria ser requisitada. Neonato é um corpo que sofre. Ele treme, chora, sua veia dilata, a injustiça que sente vai além, ela está impregnada em suas raízes, no seu povo, na História. Ele vai até as últimas instâncias, no filme é herói, na vida real seria, provavelmente, um imprudente. Ser destemido em tempos de liberdades relativas é imprudência, falta de limite.


Porém, como já foi dito, Olhos Azuis vai além das terríveis conjunturas de nosso tempo. A tensão que pulsa através da trama é História e as injustiças atreladas a essa construção que definham as liberdades individuais. A História da ascensão capitalista da supremacia americana é a História da vida humana impedida, diminuída, controlada.


Voltamos, então, a relevância de Olhos Azuis. O que o torna importante é seu compromisso com os homens, com suas histórias individuais condicionadas e fadadas, em geral injustamente, pela História. Não há consolo após essas imagens. Há orgulho, de um filme nacional executado perfeitamente com um tema de extrema importância global, e a esperança de que pelo menos a arte seja capaz de expor o que a realidade de simulacros nos persuade a ignorar.


Olhos Azuis é o cinema como instrumento de choque, de imersão em outras experiências, para a construção de consciência de nossa própria história.
 
* Sobre a veia de Nonato e Olhos Azuis, o excelente texto de Rafael Zacca. 

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