segunda-feira, 31 de maio de 2010

Entrevista com o cineasta José Joffily no Almanaque Virtual

Do Almanaque Virtual, Por Leonardo Luiz Ferreira

Fotos de Álvaro Riveros


O interesse pelo cinema de gênero, a partir de um episódio trágico, se faz mais uma vez presente na obra do realizador José Joffily: Olhos Azuis (2009) é um thriller que aborda temas polêmicos em uma jornada redentora. Ao intercalar projetos de ficção com documentários, Joffily soube construir uma carreira de propósitos bem definidos, nos quais cada novo filme se relaciona de alguma forma com os anteriores. O interesse permanece por personagens à margem ou que não recebem a atenção da maioria das pessoas e que estão sempre em busca de mudança. Na entrevista exclusiva, realizada quase um ano depois da consagração do longa no Festival de Paulínia, o diretor reflete sobre o projeto e revela o que lhe impulsionou para ser cineasta.

Almanaque Virtual - O que lhe moveu primeiramente a realizar cinema?

José Joffily: Falando assim rapidamente e sem pensar muito, eu diria que foi a vontade de ficar em grupo. Quando trabalhava como fotógrafo era tudo muito solitário: cobria as pautas, voltava e editava o material e colocava as legendas. Era um processo chato. A minha vida mudou quando encontrei pessoas que estavam interessadas no mesmo assunto e que tinham prazer de trabalhar com cinema. Era sedutora a ideia de realizar um filme e isso compartilhava com todos eles. Em um determinado momento se formou um grupo de realizadores que resultou na produtora Corisco Filmes, entre eles estavam Jorge Durán, Sérgio Rezende, Murilo Salles, Emiliano Ribeiro e Mariza Leão. Essa multiplicação de encontros foi importante para a minha formação como cineasta.

 
AV - O roteiro de Olhos Azuis participou de uma oficina dos laboratórios do Instituto Sundance, em 1999. Por que levou tanto tempo para realizar o filme?

José Joffily: A ideia original surgiu em 1998. Os filmes se ajustam à época, ao talão de cheques e as circunstâncias. Alguns projetos vêm à tona e outros submergem com o passar do tempo. E no caso de "Olhos Azuis", sempre mantive a vontade de realizá-lo, pois gostava muito da história e dos personagens. Na versão original do roteiro, em um dos primeiros tratamentos, o filme se passava em diversos países: mostraria flashbacks de todos os latinos detidos na migra em seus países de origem. Mas isso tornou a produção muito cara. A história do boliviano, que o policial Marshall conta para a moça em um bar, seria encenada. Ela se transforma em relato, pois gostava de sua força, além de demarcar bem o que é estar distante de seu país. O tempo de maturação do projeto trouxe prós e contras. Lamento não ter feito externas em Havana, por exemplo. Mas mantive a ideia de que os atores são oriundos dos países dos personagens. Uma história curiosa sobre a produção de "Olhos Azuis" é a de que o personagem principal seria interpretado pelo ator Robert Foster, que renasceu devido ao sucesso de "Jackie Brown" (1998), de Quentin Tarantino. Ele estava animado com o filme e completamente inteirado com o projeto. De repente, eu recebi um e-mail dele em que dizia que não poderia filmar naquele momento, pois estava comprometido com uma filmagem em Cingapura. Foi a personificação do horror: perdi o protagonista do filme com todo o plano de filmagem já traçado. Decidi partir para Nova York e pessoalmente resolver esse problema. Foi aí então que surgiu o David Rasche, um ator mais ligado a seriados e comédias. Isso foi um fator importante para sua escolha em que interpretaria um papel bem diferente. Ele desenvolveu uma camaradagem com o núcleo de personagens da imigração e se integrou rapidamente.

 
AV - O filme se estrutura a partir de dois eixos narrativos que se diferenciam em termos de escolhas estéticas: a granulação e o tom cinza e frio da sala de imigração; e o solar e arejado de Recife durante o road movie. Fale sobre a direção de fotografia e as diferenças entre locações.

José Joffily: Eu já trabalho com o fotógrafo Nonato Estrela há muitos anos. Gosto muito de descobrir a fotografia e que direções devo seguir. Fizemos uma pesquisa de campo para saber como filmar interiores e exteriores: se deveríamos usar tal lente ou o tripé, e coisas do tipo. Optei por filmar com duas câmeras na migra para não banalizar e não perder a força das cenas. Tudo era uma questão de tempo. Disse para a produção que filmaria mais rápido a migra e assim consegui mais uma equipe de filmagem. A música durante as sequências da imigração não faria sentido. Portanto, trabalhei a edição de som para configurar e dar credibilidade. Já no Nordeste, a música tinha um papel importante, mas mesmo assim sacrificamos bastante a trilha sonora.

 
AV - Olhos Azuis depende diretamente do trabalho de montagem para funcionar na tela. A tensão vai se construindo de maneira crescente. Quais foram as diretrizes da edição e o trabalho com o montador Pedro Bronz?

José Joffily: Tive muita preocupação em como fechar cada cena e como ela iria abrir na seguinte. Retiramos alguns trechos de cortes que estavam previamente marcados. Também trocamos alguns de ordem. Era importante manter o interesse do espectador na história e a montagem devia dar essa fluência. "Olhos Azuis" é o primeiro filme de ficção que o Pedro monta. Ele fez uma modificação significativa ao defender que o longa terminaria na beira do rio, com o fracionamento de cenas da abertura. Visualmente era muito mais atraente terminar dessa forma, com o personagem indo de encontro ao mar.

 
AV - O discurso da obra aborda alguns temas polêmicos, como o preconceito racial e o xenofobismo. Os personagens assumem, de certa forma, estereótipos sociais, como a argentina malandra, os hondurenhos como frágeis e falsos esportistas e o brasileiro pobre que empreende seu "american dream", entre outros. Essa construção é deliberada?

José Joffily: Nunca tivemos essa ideia. A intenção também nunca foi de mostrar os argentinos como malandros; o filme é uma coprodução com a Argentina. Em Paulínia, levantaram a questão sobre a sensualidade da cubana, mas ela é comportada e a argentina é muito mais voluptuosa. O filme, sem dúvida, ganha asas e você perde o domínio de todas as possíveis leituras. Queria, sobretudo, que fosse um longa ecumênico e que representasse os países latinos. Tiramos um personagem chileno, que na época era construído sob o signo do neo-liberalismo. E também sacamos um militar argentino que foi condenado e se matava na migra - essa história era baseada em um personagem real. Talvez tenha algo nesse sentido de refletir um pouco cada país e características, mas não foi a intenção.

 
AV - De um lado se tem o policial americano durão, ex-militar, apegado a moral e aos bons costumes. Ele chega até mesmo a ser chamado de John Wayne por uma colega de trabalho, mas também é identificado com traços da persona de Clint Eastwood, como seu personagem Dirty Harry e no recente "Gran Torino" (2008). E de outro a temática política, a causa e o efeito, que remete ao roteirista e escritor Guillermo Arriaga e ao diretor Alejandro Iñarritú em "Babel" (2006). Quais foram as principais referências para o filme?

José Joffily: Marshall é sincero, sem disfarces. Ele representa o americano médio. Defende o seu país e é um retrato explícito do povo americano que não quer estrangeiros em seu território. Durante esse episódio sobre as sanções ao Irã e as reuniões com o Brasil ninguém da imprensa lembrou de um episódio que reflete a política exterior objetiva dos Estados Unidos: o embaixador Bustani foi defenestrado do cargo porque conseguiu reduzir em um terço as substâncias químicas empregadas como armas de guerra. Isso atrapalhava o ataque a Bagdá. E isso é aplicado por eles em uma série de países. Com relação as referências, nós temos todos uma formação de milhares de filmes americanos. É um inventário de filmes e séries que estão em nosso imaginário e, com certeza, passou pela nossa cabeça tanto o John Wayne quanto o Eastwood. Passamos meses discutindo o roteiro e nos utilizamos de um infinito número de referências.

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