Acredito que esse texto se tornará mais político que crítico. Perdoem-me, mas há uma parte em mim que precisa descrever as sensações éticas que o excelente roteiro do filme Olhos Azuis me causou. Portando não me julguem ao terminar de ler, julguem os roteiristas Paulo Halm e Melanie Dimantas, a culpa é única e exclusiva deles. Salvo a crítica que é minha!
Uma boa parcela da população sabe que a situação do estrangeiro se tornou mais catastrófica após o 11 de setembro, e entrar na América depois dos atentados virou uma missão (quase) impossível (a intenção não era lembrar o famoso filme do nosso amigo Tom Cruise). A intolerância americana cresce cada dia mais e trata os imigrantes como se todos fossem terroristas prontos a destruir a supremacia americana (o que graças a Deus vem se tornado realidade, mas não por culpa dos “invasores”, mas sim de um país hipócrita e cheio de falsas morais).
O novo filme de José Joffily (que dessa vez acertou em tudo!), toca justamente nessa ferida. Em seu último dia de emprego como o Chefe Departamento de Imigração do aeroporto JFK, em Nova Iorque, Marshall (David Rasche, em uma atuação primorosa), resolve brincar com sua autoridade ao ter que “escolher” quem vai ter o direito que entrar na América. Enfrentando problemas com o alcoolismo, ou simplesmente se divertindo ao tomar um porre, ele começa a beber durante o expediente e passa a cometer uma série de arbitrariedades contra um grupo de latino-americanos, expondo-os a situações vexatórias para autorizar sua entrada nos Estados Unidos. Dentre os mais variados candidatos à admissão que vão de um casal de argentinos carregando cocaína a uma bela dançarina cubana, passando por um grupo guatemalteco de lutadores de tae kwon do, encontra-se o brasileiro Nonato (Irandhir Santos), que tenta retornar aos Estados Unidos após ter visitado a filha no Brasil.
Marshall utiliza de toda sua autoridade para tentar provar a culpa do brasileiro, vai de um interrogatório arrogante a uma ameaça com arma. É do duelo desses personagens que temos as bem elaboradas questões políticas lançadas no filme. Após ser questionado porque um estrangeiro sai de um país de terceiro mundo para infestar os EUA o brasileiro diz que ´só existem pobrezas no terceiro mundo porque potências, como os EUA, por muitos anos apoiaram ditaduras cruéis e abusivas em prol do seu crescimento´. Esse trecho dispensa comentários, a citação já diz por si só.
A narrativa do filme é não linear, de um lado temos o protagonista na Imigração americana, depois preso e por fim ele anos depois, no Nordeste do Brasil em busca de uma criança que, se encontrada, representará sua redenção. Nessa segunda situação, o protagonista desamparado, decadente e já aposentado encontra Bia (Cristina Lago, em uma atuação surpreendente), uma jovem aparentemente sem rumo que passa a ajudá-lo na procura pela garota.
Em sua caminhada acabamos adentrando um pouco mais na vida do nordeste brasileiro: entram os sons do forró, a seca, as mortes prematuras e a sofrida Bia, uma jovem que foge para Recife atrás de uma vida melhor e acaba se prostituindo. Bia é uma das grandes transformações durante a película, passa de uma menina ambiciosa a uma mulher destemida que ajuda a todo custo o americano a encontrar a pequena Luíza. Durante essa caminhada ela acaba se deparando com o avô, uma desavença do passado que vai mexer com seus sentimentos e mudar sua trajetória levando-a á um final mais humano e compassivo com os sentimentos do “gringo”.
Os opostos permeiam toda a trama: enquanto as cenas nos Estados Unidos são em cores escuras e frias e mostram um policial como o rei do pedaço (outro filme, meus Deus haja inspiração hoje!) as cenas no Brasil são feitas em cores quentes, com uma câmera trêmula e trilha sonora mais agitada. A busca de Marshall por um sucessor também trás esse duo: entre os dois assistentes temos Sandra (Erica Gimpel) uma policial abusiva, fria e quase tão arrogante quanto o chefe, enquanto Bob (Frank Grillo) é mais correto e menos racional, chegando a se condoer pelo caso da dançarina cubana Calipso (Branca Messina).
Joffily disse que queria em seu filme atores dos países de origens dos personagens. Como o protagonista é americano, David Rasche foi escolhido primeiro através de uma seleção feita por dvd´s, ele e mais nove atores passaram por testes com o diretor e para a sorte do público (e do próprio ator, que está em seu melhor papel) Rasche acabou ficando com o papel. E acaba por dar vida a dois Marshall durante o filme: um homem audaz e frio e outro sofrido e melancólico atrás de sua redenção. O segundo com certeza é a parte mais marcante do ator: denso e caótico ele se transforma e chega causar dor e tirar algumas lágrimas com um personagem perdido em uma terra distante.
Quanto à língua estrangeira o diretor afirma: “A Branca Messina (Calipso) morou muito tempo na Espanha, mas eu queria que ela tivesse um sotaque cubano. Coloquei um cubano ao lado dela, uns cinco meses, para fazer isso. O Irandhir pegou rápido. A Cristina Lago também não tinha muita desenvoltura no inglês. É difícil definir o quão bem um personagem deve falar inglês, como ele deveria piorar ou melhorar seu inglês. Ao mesmo tempo se entender com o elenco, no set de filmagens, e fazer improvisos. A gente fez esta opção, mas é difícil encontrar o tom”.
Olhos Azuis foi o grande vencedor no II Festival Paulínia de Cinema em 2009 arrebatando os prêmios de Melhor Filme ficção, Melhor Roteiro, Melhor Ator Coadjuvante (Irandhir Santos), Melhor Atriz (Cristina Lago), Melhor Som e Melhor Montagem.
É um bom filme. Uma boa história e um elenco afiadíssimo. Talvez o final desse texto seja menos político que o esperado, mas escrever tem dessas coisas: às vezes queremos desenvolver um assunto e acabamos nos desviando, mas o grande exemplo de civilidade e amor á pátria se deve sim aos diálogos marcantes e as ironias que permeiam todo o longa. É para pensar e questionar. Somos fruto de uma supremacia ideológica (e preconceituosa) americana que nos taxam como lixos e ainda assim queremos a todo custo Fazer a América!
Político ou não! Pensador ou não! É um filme corajoso e destemido. Merecedor de bons elogios e muitos espectadores, mas o que esperar de um país que lançou somente dezessete cópias (isso mesmo, 17) de uma história que nada mais é que uma declaração de amor aos valores dos brasileiros e de um Brasil tão esquecido.
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