terça-feira, 18 de maio de 2010

Olhos Azuis no "...ou barbarie"

Fonte: Blog ...ou barbarie, maio 2010

Fui convidada, como alguns amigos meus, para uma pré-estréia do filme Olhos Azuis, feita especialmente para blogueiros, que aconteceu ontem no Arteplex. Adorei a idéia; além de ser uma forma bastante barata e eficaz de divulgar o filme, reconhece a importância da blogosfera na circulação de informações (tem um post interessante sobre isso aqui).
Vocês podem estar se perguntando (como eu também o fiz) como alguém pode ter achado relevante me chamar, já que o meu blog tá paradão há um tempo e ele nem é especializado em cinema. Felizmente, eu tenho amigos queridos que gostam de mim e que tem empregos legais, como esse de chamar pessoas pra ver filmes de graça. Aí fui!

Além de uma pequena dose de coerção durkheimiana, não se cobra aos blogueiros convidados que escrevam sobre o filme, é claro. Mas achei uma oportunidade boa de tirar a poeira das engrenagens da máquina e botá-la pra trabalhar. E – não digo isso pela pipoca que me foi dada de graça – o filme vale muito a pena.


O filme se passa em momentos paralelos na vida de um mesmo personagem que se intercruzam. No último dia de trabalho de um policial da alfândega norte-americana (aquele cara que é encarregado de dizer quem pode entrar e quem não pode), ele resolve sortear alguns passaportes de latino-americanos desafortunados pra infernizar-lhes a vida. Paralelo a isso, esse mesmo policial americano está no Brasil, mais precisamente em Recife, procurando por uma menininha.
O cara que faz o policial se chama David Rasche, excelente ator americano que eu não lembro de ter visto antes, mas aparentemente ele costuma trabalhar na tevê. O outro personagem central, o brasileiro Nonato, escolhido como alvo máximo do policial escroto, é o Irhandir Santos, “o novo cara do cinema nacional”, que tá chegando nas telonas com mais dois outros filmes, Quincas Berro d’Água e Viajo.

A primeira história se passa inteiramente na sala da imigração do aeroporto JFK, em Nova Iorque. Quando eu vi a primeira imagem daquela sala, senti um arrepiozinho: já estive numa daquelas. Vou contar primeiro a minha história pra não acabar soltando algum spoiler do filme.

A primeira – e única – vez que saí do país foi em agosto de 2007, pouco depois de atingir a maioridade. Meu tio era professor de física convidado em Harvard (tem gente que é chique!) naquele ano, e eu fui de gaiata passear nos êua por conta disso. Pegar o visto no consulado americano foi muito mais fácil do que eu esperava. Fui com 350 documentos diferentes, cheirosinha, bonitinha – mas não muito, né?, sei lá. Entrei na salinha, um officer careca de mau-humor olhou um ou dois documentos e me perguntou se eu ia pra Disney. Ahm… Não, meu senhor, eu vou pra Boston. Ah tá, pode ir. E meu deu o visto.

Tanta facilidade não podia sair impune. Peguei meu avião e cheguei no aeroporto de Atlanta, na Georgia, pra passar pela alfândega e depois pegar a conexão. Me senti num Carrefour pós-moderno: eram dezenas de estações feito caixas de supermercado, uma do lado da outra, com suas filas, só que pra entrar. Chegou minha vez. Um policial negro careca (eles são todos carecas?) olhou meus documentos com calma. O que você veio fazer aqui? Vim visitar meus tios e primos. Quantos anos têm seus primos? 7 e 9. E por que você quer visitar crianças tão pequenas? Porque eu as amo, ué!

Peguei um bad cop. Ele não gostou da minha resposta. Botou meus documentos numa pasta laranja e me mandou pra immigration room. Eu, menininha bonitinha, just turned eighteen, sozinha, querendo entrar nos Estados Unidos? No mínimo ia ser stripper, prostituta, sei lá! Entrei na salinha. Tinha só eu, um homem com cara de índio e uma mulher com cara provocantes. Ai meu deus. Vim pra sala dos suspeitos.

No fim das contas deu tudo certo. Peguei um good cop e fui liberada logo. Não sem quase morrer do coração, é claro. Porque naquela sala você é um inimigo em potencial. Os olhares são de superioridade, de desdém. Aquela sala é um território a ser pensado. E é isso que Olhos Azuis faz.

Em Olhos azuis, o bad cop chega ao seu extremo. Mas o retrato não é irreal, muito pelo contrário. O racismo, a xenofobia e a estupidez que o patriotismo norte-americano quer implantar nas cabeças dos ianques exala realidade. E a posição dos latinos (e nós brasileiros também somos latinos, acredite se quiser) também chega ao extremo, também de forma totalmente verossímil. A tensão entre as posições de forte e fraco, dominante e subalterno, senhor e escravo (porque ando lendo Nietszsxsche) chega a um pico com o qual é possível se relacionar intimamente e explode, chegando mesmo à inversão de posições.

O filme é muito bom. Deviam passar na sessão da tarde dos êua. É um filme brasileiro muito diferente do que estou acostumada a ver, num bom sentido. É claro que tem uma coisa aqui outra ali que eu faria diferente, mas é essa coisa que se tem com filme brasileiro, uma proximidade com aquele fazer. De qualquer forma, a reflexão que o filme propõe é fundamental. Vale a pena assistir – e não digo isso pela pipoca e coca cola que ganhei degrátis. Juro!

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